Conforme apresenta o desembargador Alexandre Victor de Carvalho, a aplicação do princípio da lesividade em casos de porte ilegal de arma de fogo vem sendo tema de debates relevantes no meio jurídico. No processo de apelação criminal nº 1.0024.04.405082-1/001, julgado pela 5ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, o desembargador destacou-se por apresentar um voto divergente e profundamente fundamentado, defendendo a absolvição do réu com base na atipicidade da conduta.
A questão central girou em torno do porte de uma arma de fogo desmuniciada, sem possibilidade imediata de uso, fato que levou o magistrado a invocar princípios constitucionais como o da ofensividade para sustentar a ausência de crime. Descubra mais a seguir:
O princípio da lesividade no voto do desembargador
Desde as primeiras linhas de seu voto, o desembargador Alexandre Victor de Carvalho deixou clara sua convicção de que, para que uma conduta seja penalmente relevante, é necessário haver efetiva lesão ou perigo concreto a um bem jurídico tutelado. Para ele, mesmo nos chamados crimes de perigo abstrato, como o previsto no artigo 14 da Lei 10.826/03, é imprescindível demonstrar que a situação específica representava ameaça real à incolumidade pública.

Segundo o desembargador, o porte de uma arma de fogo desmuniciada, sem pronta disponibilidade de munição, não pode ser considerado crime, pois carece da aptidão necessária para lesar ou colocar em risco o bem jurídico da segurança pública. Citando doutrina de Luiz Flávio Gomes e precedentes do Supremo Tribunal Federal, o magistrado sustentou que a tipicidade penal exige a demonstração concreta de perigo, sob pena de se afrontar o princípio da legalidade e o Estado Democrático de Direito.
Fundamentação constitucional e doutrinária do voto vencido
Em seu voto, o desembargador Alexandre Victor de Carvalho foi além da análise normativa e apresentou uma robusta argumentação de cunho constitucional. Destacou que o princípio da legalidade, previsto no artigo 5º, inciso XXXIX da Constituição Federal, exige não apenas a existência de lei anterior que defina o crime, mas também que esta se oriente por critérios materiais de justiça, como a necessidade de proteção de bens jurídicos relevantes.
O desembargador fez referência à obra de Luigi Ferrajoli e à doutrina do garantismo penal para sustentar que o Direito Penal deve ser uma ferramenta de intervenção mínima, voltada exclusivamente à tutela de bens fundamentais. Diante disso, punições baseadas em presunções de risco ou perigosidade, sem comprovação fática, estariam em desacordo com os princípios da dignidade da pessoa humana e da presunção de inocência, consagrados pela Constituição e por tratados internacionais de direitos humanos.
Divergência no colegiado e posição majoritária
Apesar da consistência e profundidade do voto do desembargador Alexandre Victor de Carvalho, a maioria da 5ª Câmara Criminal não acompanhou sua linha de raciocínio. A relatora para o acórdão, desembargadora, considerou irrelevante o fato de a arma estar desmuniciada, afirmando que o crime de porte ilegal de arma de fogo é formal e de perigo abstrato. Segundo a corrente majoritária, basta o porte da arma sem autorização legal para configurar o tipo penal.
Acompanhando essa interpretação, outro desembargador presente também votou pelo reconhecimento da tipicidade da conduta, mantendo a condenação do réu. Contudo, o colegiado decidiu reformar parcialmente a sentença de primeiro grau para reconhecer a confissão espontânea, afastar a agravante da reincidência, fixar regime inicial aberto e substituir a pena privativa de liberdade por sanções restritivas de direitos.
Em suma, a decisão no processo de apelação criminal nº 1.0024.04.405082-1/001 é um marco importante na discussão sobre o crime de porte ilegal de arma de fogo. O voto do desembargador Alexandre Victor de Carvalho, embora vencido, destaca-se por seu rigor técnico e compromisso com os fundamentos do Estado de Direito. Ao defender a atipicidade da conduta diante da ausência de perigo concreto, o magistrado reafirma que a atuação do Judiciário deve ser orientada por princípios que assegurem a justa aplicação da lei penal.
Autor: Kinasta Balder